terça-feira, 27 de maio de 2014

O livro nosso de cada dia

Um aluno da Primeira Série entra correndo na biblioteca: “Já chegou ‘A Fantástica fábrica de chocolate’?”. Outro, do Ensino Médio, pergunta ansioso sobre as novidades. A professora de inglês indica e pede indicações de leitura. Um funcionário comenta, perplexo,  “O diário do farol”.  Estaremos diante de uma nova ameaça biológica que se hospeda nos seres humanos e tem por alimento folhas de papel celulose? Ou será a nossa velha e boa necessidade de, por alguns momentos do dia, escapar da realidade e fugir para o mágico, para um outro universo?
                                                                                                    
A resposta deveria estar num livro, não é mesmo? (Afinal temos o hábito de achar que os livros trazem respostas para tudo). Talvez num daqueles da estante, abandonados. No esquecido “O gaúcho”, deixado há tempos nos pampas. Talvez no sonho da tresloucada moça no alto da torre. Ou mesmo no labirinto d´os Campos... Por que não? Nos campos de palavra e pedra. Tão perto e tão longe o segredo... Ali na estante de ferro, encadernada, com seu lugar na história e número de classificação, talvez a nossa resposta. Lado a lado com a Estrela da Manhã.

Mas o livro, este objeto ora desejado, ora odiado, jamais conversa sozinho, e é idealizado em função de quem o está lendo. O escritor não o escreve para si ou para vê-lo na estante. Escreve para que possamos nos apropriar dele e fazer as modificações que a nossa leitura permite. Assim, o livro nunca tem o mesmo significado, está sempre misturado com nossa história pessoal e, principalmente, dialoga com o nosso conhecimento de mundo. Por isso, quando relemos um livro, as emoções sentidas são, quase sempre, novas emoções, e a história lida é quase totalmente nova.

Esta característica viva do livro, que a cada leitura apresenta uma face nova, é uma prova do quão particular é o ato da leitura. Ler é um ato individual de prazer, uma cerimônia pessoal de novas descobertas. Descobrimos, por exemplo, que quando estamos envolvidos numa história, na verdade, não estamos fugindo do mundo. É a vida que, de repente, se apresenta mais completa e mais cheia de significados.

Temos, então, a certeza de que seria puro egoísmo não compartilhar com os outros a vivência da nossa leitura e somos finalmente arrastados para o mundo da troca de experiências. De cerimônia individual, a leitura passa então a um maravilhoso canal de acesso ao mundo em que vivemos. Um lugar repleto de pessoas e idéias novas, de livros e desafios. Um mundo em movimento e expansão, que exige atenção e cuidado, mas que nos entrega, de página em página, as chaves dos seus segredos.